SOBRE O MEDO. GATOS E VULCÕES.













Sobre o medo.
Gatos e vulcões.
Escrito em outros tempos e com adendo de hoje, medo renovado.

Outro dia me deparei com a comemoração do Dia Mundial do Gato. Nunca soube sequer que esse dia existia e até alguns meses atrás, gatos representavam um desafio e tanto. 
Por um lado, me identificava muito com o jeito solitário e silencioso deles, com um viver sem fazer barulho, com o olhar de quem olha e vê, com um andar meio imperceptível, mas que acaba indo onde quer. Com a intuição que toma a frente de tudo, com uma comunicação sem palavras. Com aquele jeito macio de se encostar quando quer carinho.

Lia, perguntava, tinha certo fascínio, mas não podia me imaginar tocando em um ou sendo tocada por um deles. Tinha o discurso pronto, quando questionada por amigos gateiros ou por quem simplesmente não os tinha como um desafio. Dizia que não suportava aquelas presas, os miados, o corpo molengo, as garras retráteis, a língua que diziam ser áspera, os saltos que dão sem aviso prévio. Só a ideia já me causava arrepios, e nem ia a lugares que tinham gatos. Gatos pulam em maçanetas e abrem portas! E tampouco não achava justo pedir que os donos os prendessem de verdade, enfim. 

Até que há 10 meses, ouvi um barulho estranho perto de casa. Não parecia nada que eu conhecesse. Diziam que deveria ser um pássaro, mas eu achava que não. E assim foi durante umas duas noites. Até que durante o dia, um zumzumzum no vizinho chamou a minha atenção. O tal barulho, era um gatinho que devia ter umas três semanas, sendo ameaçado pelo cachorro da casa. Muuuitooo corajosa, pedi que minha filha fosse pegar o gatinho. Pedi que levasse um paninho para trazê-lo, pois não conseguia me imaginar pegando nele. E assim foi. Clara pegou o filhote e veio para casa. 

O contato com aquele corpinho mínimo me arrepiou no primeiro minuto, mas depois, naturalmente o aconcheguei. E nada do que me afligia, afligiu mais. Em nenhum momento pensei se ia ficar com ele ou não. Era como se ele já tivesse vindo sendo nosso. Demos o nome de Sereia, mas virou Céu, quando descobrimos que era um menino.
Aos poucos, apareceu a mãe, a irmã, os três irmãos da ninhada seguinte. Coco Chanel, Tomie Ohtake, Frida Khalo, Berta e Simão. Tentamos muito que alguém quisesse adotar os irmãos baby’s. Não aconteceu. E então, a família toda foi acolhida. Se minha intenção não era ter gato algum, imaginem seis. Mas não temos controle sobre tudo, aliás, sobre quase nada. Abandoná-los por aí? Isso não cabe dentro de mim. Como vou fazer quando viajar? Não sei. Como vou fazer quando isso, quando aquilo? Não sei também. Alguns meses depois, veio Moyses. Então os seis viraram sete.

Só sei que as soluções aparecem na medida em que precisamos resolver as coisas. Eu tinha o que eles precisavam: disponibilidade afetiva, espaço, cuidado, liberdade e proteção.
Eles, também tinham o que eu precisava. Me mostraram que o medo que eu pensava que ainda era vivo, já podia ser enfrentado, e percebi que ele não mais existia. E esse foi o grande aprendizado. 

Muitas vezes vivemos como se nossas dificuldades ficassem impregnadas em nossa pele, em nosso coração, em nossos pensamentos. Sequer questionamos se com o exercício do viver foram acompanhando nosso desenvolvimento. Esquecemos-nos de nos atualizar em relação a nós mesmos, e podemos deixar de viver inúmeras experiências, por conta disso. Podemos colocar nossa liberdade de lado por engano!

Não importa se são gatos, elevadores, relacionamentos, doenças, perdas, muita gente, pouca gente, lugar fechado ou aberto demais. Não importa se o futuro nos tira o ar, se o passado nos confunde, se o presente nos paralisa. O que importa, é que sem saber, você pode ter vivido tantas coisas, que aquele medo que pensa que tem, pode já nem existir mais. Sem saber, você pode estar preparado para enfrentá-lo! E com isso, se apoderar de uma parte de sua existência, que estava ali apertada num canto da sua alma, sem nem saber mais por que. 

Então, te convido a revisitar seus receios. Quem sabe, eles não tenham uma linda surpresa para você?

HOJE, meu medo é que o meu medo não seja o medo do coletivo, e que outros medos passem à frente e nos cubram com sua imensa Sombra. 

Meu medo é de que nos roubem a democracia, a liberdade de expressão. 

Que os sentimentos mais primitivos tomem atitudes que comprometam futuros. Que nossas crianças cresçam num país que negou sua luta, seu suor e se movimenta para trás. Num país que perdeu a memória e deixou moribunda a própria história. 

Que marchará rumo ao obscuro, dentro da espiral do mundo contemporâneo. O que querem nos entregar pode vir floreado para alguns tomados pelo torpor, mas que oculta violência, intolerância, fel e um ensurdecedor não à liberdade.
Estamos em ebulição. 

Vamos usar esta mesma energia e virar este jogo com consciência, iluminando nossos porões e atribuir o medo ao lugar a que ele pertence. 

Não podemos tratar de algo tão sério e determinante com desconhecimento e impulso.
Ainda dá tempo, considerem.

Mônica Bergamo

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