QUANDO A LUA VIROU DO AVESSO ou SOBRE A MATERNIDADE






Há quase um ciclo de Saturno atrás, germinou em meu ventre uma lua com olhos da cor do mar em dias de chuva.

Saiu chorando um fado, ou quem sabe uma ópera, para quem quisesse ouvir! Foi tudo muito rápido e urgente, mas eu sabia que estava tudo bem, apesar dos seus quase inexistentes sinais antes de nascer.

Só parou seu lamento, quando finalmente a trouxeram para que nos víssemos  pela primeira vez, embrulhada num papel alumínio, toda futurista.

- "Ô filha, por que você está chorando?" 
Imediatamente, como num milagre, parou e nos olhamos através de um amor definitivo. Naquele instante eu soube quem era ela para mim e conservo a imagem e a sensação daquele momento como se tivesse acontecido há  minutos.  

Esta palavra filha, a primeira que ouviu de mim, até hoje parece ter um efeito mágico. Se eu disser esta palavra dez vezes, dez vezes ela vai dizer o quanto  gosta que eu a chame assim, dez vezes seu sorriso será ainda mais doce e seu olhar mais emocionado. 

Minha pequena nasceu logo de manhãzinha e o espaço celeste estava mergulhado em águas de intensa energia lunar.

Vivia feito cigana, com ela no meu colo, que parecia naturalmente  se adaptar àquele ser na medida em que crescia. É vivo ainda este colo, assim como a lembrança dos passeios de carrinho, mais tarde de mãos dadas comigo pela rua e depois eu andando  sem ela nem no colo, nem no carrinho, nem de mãos dadas, quando foi para a escola. Foi como ter que redescobrir o meu corpo a partir desta primeira separação.

Sempre fomos emocionalmente muito sintonizadas. Embora eu fosse muito atenta e devoradora de informações, minha intuição sempre saía na frente e acabava por arrematar as decisões necessárias.

Naturalmente, nós mães, oferecemos o que nos faltou lá atrás na nossa infância e de alguma maneira este exercício parece nos curar lentamente. 

Mas às  páginas tantas, lá na frente da vida, percebemos que há muito mais do que o que já nos parecia esplendidamente grandioso. Precisamos olhar para muito além disso, ainda não sei bem como, pois me parece que só compreendemos certas coisas depois de tê-las vivido.

Ser mãe, de alguma maneira, também é expor e acolher nossa Criança Interior  a todo amor, dores, dúvidas, reflexões e transformações  que ficaram perdidas em algum lugar dos porões da nossa alma. 

 Sinto que não podemos perder o foco no horizonte. No sentido de que é preciso avaliar não apenas a nutrição que nos parece adequada naquele momento, mas saber diferenciar se o que  conforta naquela hora poderá se transformar em força ou fragilizar.

Toda essa função lunar é infinita assim como os sustos, as surpresas, os transbordamentos de alegria, de conexão perfeita com o universo.

Existem necessidades que se revelam muito depois. Quando uma e outra, mulheres, percebem e aceitam o inevitável convite de que a transformação desta parceria, assim como de outras, é imperativa sempre. 

A construção da maternidade é contínua e viva. É coração batendo forte, é delicadeza, crises, desespero, visão turva, humildade, disposição, entrega e  encantamento diante deste processo.

E para isso, precisamos cuidar de nossas feridas, compreender nossas emoções profundamente.  Ter clareza e entendimento incansavelmente desfiados durante o exercício do viver.

O amor suporta com bravura as crises e se fortalece ainda mais a partir delas. 

É como se entregar ao desconhecido abismo, gritar seu terror, sua insegurança, para então começar a flanar e a voar, e a se movimentar com a liberdade de quem leva dentro de si, toda a poesia experimentada.

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